Você já deve ter assistido a filme americano que fala do famoso 4 de julho, por lá essa data é um motivo de orgulho nacional, mas você sabe o que ela realmente representa?
Revolução ou independência?
Quando vamos discutir o processo de independência americano, logo de início surgem questões em torno das mudanças que esse movimento trouxe para o estado. Se trata de uma revolução? Será que foi uma reforma? Ou será apenas o processo de independência?
Para entender melhor essa discussão vamos começar explicando os conceitos. A revolução se refere a um processo histórico que subverte radicalmente o sistema econômico, político e os interesses centrais.
A reforma é um processo de ruptura parcial com algumas práticas antigas, mas sem mudar radicalmente toda a estrutura social. Por fim, a independência é o processo de ruptura do vínculo de colônia com a metrópole que a colonizou.
Mas o que isso tem a ver com o 4 de julho?
O processo de independência americano se mostra como uma revolução, na medida que estabelece um modo de governo radicalmente diferente do colonial. Entretanto, também podemos falar que se trata de uma reforma, principalmente pelo fato de os interesses da elite colonial continuarem como centrais.
Entendeu a confusão que isso gera? Se por um lado a independência americana se mostra como um processo de ruptura com a Inglaterra, por outro ela mantém em destaque as necessidades das elites colônias. Por esse motivo, é comum os três termos se referirem ao mesmo movimento histórico.
Esclarecido esse detalhe vamos entender quais são os precedentes do movimento.
Antecedentes
O primeiro grande antecedente é a própria chegada dos ingleses no território americano em 1620. A partir desse momento é estabelecida as treze colônias inglesas na costa leste americana. Destaca-se a influência da colônia de Massachusetts, onde se forma palco para os primeiros conflitos da independência.
As colônias inglesas detinham uma parcela significativa de autonomia das metrópoles e se estabeleceu por ali o comércio colonial sem muitas intervenções inglesas. Vale lembrar que no século XVII a Inglaterra já começava a sentir os abalos para os movimentos do século XVIII, o palco para o Iluminismo, a Revolução Industrial e a Guerra dos Sete Anos estava sendo preparado.
A influência iluminista no início do século XVIII leva para as colônias inglesas ideias liberais, de valorização dos direitos individuais e da autonomia humana. E, a propósito, a colonização não combina exatamente com dignidade humana.
A Revolução Industrial vai colocar no caldeirão os interesses econômicos, o incentivo à produção, ao mercado e a exploração das terras do oeste desconhecido. Recursos tecnológicos começam a chegar para os colonos e se torna mais tangível a ampliação do mercado e dos lucros.
E para fechar com chave de ouro, durante os anos de 1756 e 1763 a Inglaterra se envolveu no conflito bélico com a França conhecido como Guerra dos Sete Anos. Por todo o mundo as colônias dos dois países se confrontaram, ou tropas inglesas e francesas se enfrentaram, dentro e fora da Europa.
Nas colônias inglesas, o conflito se deu em cima das terras do oeste americano, as tropas inglesas e francesas lutavam para determinar quem iria colonizar a região. Por fim, a Inglaterra saiu vencedora do conflito, mas totalmente endividada.
Dizem as más línguas que a guerra custa caro. Tão caro que a metrópole inglesa não tinha recursos para colonizar o oeste americano, proibindo os colonos de expandir os negócios para essa região recém-conquistada.
Razões para a independência
A metrópole inglesa tinha que recuperar os prejuízos da guerra, e qual a melhor forma de um governo arrecadar? Impostos! A coroa inglesa estabeleceu uma série de leis que aumentavam a arrecadação de impostos em cima dos colonos americanos, assim como restringiam a autonomia das colônias.
Você já pode imaginar que isso não agradou em nada os colonos e em grande medida esse conjunto de leis é que estabelece as razões para independência.
Lei do açúcar
Foi um ato parlamentar inglês, em 1764, tomando força de lei. A principal prescrição da lei era o estabelecimento do monopólio inglês sobre a venda do açúcar, desse modo, a metrópole pretendia coibir a compra de açúcar de colônias francesas por parte dos colonos do norte americano. De certo modo, a lei funcionava como o estabelecimento de um imposto sobre o açúcar.
E como você imagina, os colonos do norte não ficaram nada felizes com essa restrição de mercado. O comércio de açúcar era importante e rentável.
Lei do selo
Imagine se você fosse comprar um livro e ele tivesse que vir com um selo do governo brasileiro, e mais, imagine você ter que pagar por esse selo… É mais ou menos isso que o parlamento inglês aprovou, em 1765, com a lei do selo. Todo documento impresso deveria ser legalizado através do selo comprado junto a coroa inglesa.
Além de ser uma forma de arrecadar fundos para os cofres ingleses, também se tratava de um modo de censura, já que a coroa teria acesso a todo o material impresso circulante na colônia.
Ninguém ficou feliz com essa medida, em protesto os colonos se reuniram em Nova Iorque, exigindo a retirada da lei e a presença de representantes dos colonos americanos no parlamento inglês. A lei caiu por terra em 1766.
Atos Townshend
Foram quatro leis aprovadas entre os anos de 1767 e 1768, os atos vieram para cumprir a função da impopular lei do selo. As principais mudanças que as leis trouxeram foram o estabelecimento de comissões alfandegárias nas colônias e o estabelecimento do aumento do imposto sobre produtos da vida diária, como o chá, açúcar, vidro, papel e entre outros.
A Lei de Suspensão, a Lei de Receitas, a Lei de Indenização e a Lei dos Comissários de Alfândega foram os quatro atos parlamentares aprovados.
Nem preciso comentar o quanto isso gerou descontentamento entre os colonos, a aprovação das leis no parlamento inglês sem representação dos colonos foi considerada um abuso da metrópole. Levando a petições solicitando a revogação das leis e presença americana no parlamento.
Lei do chá
A polêmica Lei do Chá foi aprovada em 1773, se tratava de uma restrição do comércio, concedendo o monopólio da venda do chá para somente a Companhia das Índias Orientais, advinha quem tinha o controle da companhia?
Essa decisão irritou ainda mais os colonos, o comércio do chá era um dos mais lucrativos em todas as treze colônias. A restrição não somente retirou a possibilidade de venda como estabeleceu um novo imposto. Como represália à decisão, os colonos se vestiram como índios e invadiram os navios atracados no porto de Boston. Foram lançadas ao mar 300 caixas de chá.
A Inglaterra não deixou passar em branco essa revolta conhecida como Festa do Chá, foram enviadas tropas inglesas para o território americano. A metrópole fechou o porto de Boston e somente reabriria caso os colonos pagassem os prejuízos provocados pela revolta.
Leis Intoleráveis
Além da Lei do Porto de Boston, que fechou o porto em 1774, foram emitidas mais quatro leis que tinham como função punir os revoltosos colonos. Na Inglaterra, o pacote de lei era conhecido como Leis Coercitivas, já no território americano ele ficou conhecido como Leis Intoleráveis.
A Lei do Governo de Massachusetts, a Lei de Administração da Justiça e a Lei do Aquartelamento previam uma centralização do governo da colônia de Massachusetts, a permissão para a perseguição política disfarçada, além da imposição da necessidade de abrigar soldados ingleses por parte dos colonos americanos.
O pacote de medidas restringiu direitos individuais americanos e provocou a convocação do Primeiro Congresso Continental da Filadélfia.
Ato de Quebec
A última lei aprovada junto com o pacote das Leis Intoleráveis, em 1774, foi o Ato do Quebec. Em si, o ato não tinha muito a ver com a represália da Festa do Chá em Boston, mas foi aprovada na mesma época das demais.
A grande mudança trazida pelo ato foi a extensão da província de Quebec até a região de Ohio ocupando o sul de Ontário, Illinois, Indiana, Michigan, Wisconsin e partes de Minnesota.
Além disso, era previsto que a na província de Quebec a fé protestante não era mais instituída, o dízimo católico voltava a ser obrigatório e imigrantes franceses passaram a ter mais direitos.
O ato provocou descontentamento por parte dos colonos ingleses que se sentiram praticamente expulsos da província de Quebec. Alegando também a redução dos direitos americanos.
A declaração da independência
Apesar do descontentamento, os colonos americanos não pretendiam se separar totalmente da Inglaterra, por mais que isso possa parecer surpreendente. O principal desejo dos colonos era o reconhecimento como membros da corte inglesa, dignos dos mesmos direitos que os membros mais tradicionais.
Essa intenção é reafirmada com a carta enviada à Coroa Inglesa depois do Primeiro Congresso Continental da Filadélfia. Nesse momento, todas as treze colônias pretendiam manter relações com a metrópole, somente os setores mais radicais começavam a falar de independência.
A Inglaterra não gostou em nada dos conflitos armados que vinha enfrentando em Massachusetts e muito menos aprovou a carta dos colonos. A resposta britânica às exigências coloniais foi o envio de mais tropas, o objetivo era suplantar a revolta através do isolamento econômico das treze colônias e a militarização para abafar as revoltas.
Sem ter suas demandas atendidas, os colonos voltaram a se reunir no Segundo Congresso Continental da Filadélfia, em 1776. Os ares de insurgência haviam aumentado, mesmo não estando todas as colônias convencidas da eficácia da independência.
É a partir desse contexto que chega ao congresso em 7 de junho a monção de Richard Henry Lee, delegado da Virgínia. Até então oito colônias já tinham se manifestado a favor da independência. A monção de Lee exige que o congresso avalie a possibilidade da independência como o melhor caminho a ser seguido.
A monção de Lee levou a debates acalorados e culminou na suspensão do congresso por alguns dias. Mas antes, foram nomeados Thomas Jefferson da Virgínia, John Adams de Massachusetts, Roger Sherman de Connecticut, Benjamin Franklin da Pensilvânia e Robert R. Livingston de Nova Iorque como a equipe responsável por escrever o documento piloto de ruptura com a Inglaterra.
Em 1º de julho, o Congresso se reuniu e o documento elaborado principalmente por Thomas Jefferson é colocado em votação, alguns trechos são cortados. No dia 3 de julho, a versão final do documento é entregue e na manhã do dia 4 de julho é aprovada pelo Congresso e por todas as treze colônias. Oficialmente, é assinado no dia 5 de agosto de 1776. Foi declarada a independência dos Estados Unidos da América.
Guerra de independência
Claramente, o movimento de independência americana não representou a derrota instantânea para a Inglaterra, desde 1775 já haviam sido travados conflitos entre colonos e soldados ingleses, o que se intensificou após 1776. Os conflitos bélicos se estenderam em todas as colônias americanas e foram somente terminados em 1781 com o rendimento britânico na Batalha de Yorktown.
Vamos pontuar alguns dos episódios que marcaram a Guerra da Independência:
- Massacre de Boston – 1770;
- Batalhas de Lexington e Concord – 1775;
- Batalha de Bunker Hill –1775;
- Batalha de Saratoga – 1777;
- Apoio da França a Guerra da Independência – 1778;
- Batalha de Yorktown – 1781.
Durante os anos de 1775 e 1776, as investidas inglesas se mostraram mais efetivas, mas a partir de 1777 com a Batalha de Saratoga, os revolucionários voltaram a ganhar força. O apoio francês em 1778 foi fundamental para promover o status de conflito internacional para a revolução. Digamos que a vingança francesa pela Guerra dos Sete Anos foi bem amarga.
Oficialmente, a guerra da independência somente acaba em 1783, com a assinatura do Tratado de Paris, a partir desse momento a Inglaterra reconhecia os Estados Unidos da América como um país independente.
Desdobramentos da independência das treze colônias
Logo de início, o grande impacto da independência das treze colônias é a ruptura com a Inglaterra. São emitidos dois outros documentos, a Constituição de 1787 e a Declaração de Direitos de 1776, junto da Declaração de Independência, esses documentos trazem base para a essência do modelo de governo americano.
E sempre vale contextualizar um pouco, a independência americana ocorre no século XVIII já estabelecendo um modelo de governo democrático. Desse modo, o processo de independência americana se configura como um marco na história da democracia em si! Não é pouco coisa.
Além disso, outros movimentos republicanos que estouraram pelo mundo vão ser fomentados e incentivados pelo exemplo bem-sucedido da independência americana. A Revolução Francesa é o retrato dessa inspiração social provocada pela guerra da independência.
Por fim, se mostra interessante pensar no quanto a precocidade da independência americana favoreceu a própria autonomia e o crescimento como nação. Basicamente, os EUA são o primeiro país a passar para o modelo de governo que atualmente vemos na maioria dos países, isso garante uma vantagem histórica em termos de solidez política e influência econômica.
Ufa, finalmente chegamos ao fim, hoje a história foi longa! A Revolução Americana não é nada fácil de explicar e afetou muito a sociedade que temos hoje, esperamos que você possa ter capturado essa ideia.