Contexto histórico
A visão geral do Brasil não era das mais prósperas: a economia encontrava-se em crise com o veto do tráfico humano, ocorrido em 1850. Alguns fazendeiros escravagistas permaneciam firmes até a abolição da escravatura, que ocorre em 1888. Com o fim da entrada de novos escravos, o país buscava outro tipo de mão de obra barata.
Outro fator que influencia a economia local era os gatos gerados pela Guerra do Paraguai, com durabilidade de seis anos, deixando o país ainda mais endividado. Nesse momento, o movimento a favor da República tornar-se mais forte, pois favorecia a sociedade como um todo, ao contrário da Monarquia, onde os fazendeiros escravocratas eram beneficiados.
Com todo esse cenário, instituições como a realeza e a igreja começam a ser criticados, entrando em decadência junto com a corrente literária da época, o Romantismo, dando assim espaço para uma estética mais realista, que mostrava de forma crua e sem floreios a veracidade da sociedade brasileira.
Realismo: um modo de ver o Brasil
Sendo um movimento Pós Romântico, o Realismo Brasileiro teve como grande representante Machado de Assis; assim como em Portugal houve Antero de Quental e Eça de Queiroz[16]. O ponto de partida do Realismo vem em 1857, na França, com o lançamento do livro “Madame Bovary” de Gustave Flaubert, sendo considerado o “Romance dos romances”, a obra retrata a necessidade da personagem principal, Emma Bovary, por elevação social; além de mostrar as tradições morais da sociedade burguesa a busca infindável pelo status, além de conter críticas à igreja, algo pouco visto até então.
![Realismo e naturalismo - Figura 1 - Cena do filme Madame Bovary (Sophie Barthes, 2016), roteiro baseado na obra homônoma de Gustave Flaubert.](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2021/08/realismo-e-naturalismo-cena-do-filme-madame-bovary-sophie-barthes-2016-roteiro-baseado-na-obra-homonoma-de-gustave-flaubert-65245a0d0405d.webp)
A partir da segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passou por grandes mudanças. De uma sociedade de agricultura, senhores de terras, proprietários de escravos e nobres, tornou-se uma civilização burguesa e urbana. O trabalho escravo foi gradualmente substituído por imigrantes europeus pagos que vieram trabalhar nas plantações de café.
A década da qual se inicia o Realismo começa exatamente em 1980, correspondendo ao período de intensificação do movimento abolicionista de Lei Áurea em 1888, período da guerra do Paraguai e período de declínio da monarquia e implantação da república.
A Academia Brasileira de Letras foi fundada no período do realismo em 1897. Esse processo pode ser denominado de oficialização da literatura. Alguns escritores discriminados e marginalizados começaram a ganhar prestígio e a participar mais ativamente da vida social
O movimento começado na Europa traz uma nova mentalidade ao Brasil, onde o país adquiria uma cultura própria, voltadas para sua própria realidade. Tendo assim algumas características:
- Veracidade narrativa, onde os fatos são voltados para a realidade;
- Contemporaneidade, isto é, baseado na realidade atual, não sendo um relato passado ou presumo do futuro;
- As personagens são mais realistas, onde suas ações deixam claro em relação ao seu caráter. Ninguém é totalmente bom ou ruim;
- Aborda de forma minuciosa a caracterização das personagens, criando lentidão narrativa;
- O amor deixa de ser empírico como no Romantismo e passa a ser retratado de forma mais física e carnal;
- Linguagem simples, clara e equilibrada. Retrata não somente a vida das pessoas como a da sociedade, voltando-se para questões como prostituição e pobreza;
- Denúncias sobre injustiças e hipocrisias sociais. A literatura tornar-se aliada contra a ambição e exploração das classes pobres;
- Movimento contra a burguesia, voltado para as classes baixas;
- A literatura Realista está sempre associada com questões de causa e efeito, onde, por exemplo, a atitude da personagem é justificada por algo ocorrido anteriormente.
Logo no começo da literatura realista naturalista brasileira, em 1881, fora publicado o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
![Figura 2 - Cartaz do filme Memórias Póstumas de Brás Cubas(André Klotzel, 2001), com roteiro baseado no livro homônimo de Machado de Assis](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2023/10/figura-2-cartaz-do-filme-memorias-postumas-de-bras-cubasandre-klotzel-2001-com-roteiro-baseado-no-livro-homonimo-de-machado-de-assis-realismo-e-naturalismo-65245a0c5bf4a.webp)
Somente em 1890 que a escola entra em declínio, com a ascensão do Parnasianismo.
Naturalismo
Caminhando junto com o Realismo, houve o movimento artístico chamado Naturalismo, tendo início na Europa, com o livro de Émile Zola, chamado o “Germinal”, onde é relatado a cruel e angustiante realidade dos mineradores da França no século XIX. Já no Brasil, o principal representante foi o oriundo do Maranhão Aluísio de Azevedo, com sua obra “O Cortiço”, que relata as condições depreciativas da vida de moradores das estalagens cariocas no final do século.
![](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2021/08/figura-3-cena-do-filme-o-cortico-francisco-ramalho-jr-1977-com-roteiro-baseado-no-livro-homonimo-de-aluisio-azevedo-65245b190d899.webp)
Outras obras importantes do mesmo autor são “A casa de pensão” e “O Mulato”, esse último Aluísio usa claramente personagens estereotipados para abordar temas como preconceito racial, provincianismo e hipocrisia social, onde a infelicidade é mascarada e a futilidade está acima de tudo.
Assim como o Realismo, o Naturalismo não deixa brecha para a subjetividade ou metáforas, como via em sua literatura antecessora: o Romantismo. Todavia no Naturalismo o homem é tratado como objeto que necessita ser estudado. Segundo Afrânio Coutinho, o “Naturalismo é um Realismo a que se acrescentam certos elementos […] fortalecido por uma teoria peculiar, de cunho científico”.
As principais características do Naturalismo são:
- Aversão a todo conceito empregado no Romantismo;
- Não aceitação do ficcional, sendo fiel com a realidade;
- Escrita minuciosa e descritiva;
- Crítica à burguesia e instituições sociais. A literatura era usada como arma contra a hipocrisia social, a miséria, a corrupção e o descaço com as classes operárias;
- O homem não tem influência sobre seu destino, pois toda ação é resultado do meio em que ele está inserido, sendo produto das leis naturais;
- As personagens possuem qualidades e defeitos, sendo retratados de forma realista, tendo como foco relatar o psicológico das personagens, tendo como principal característica a introspecção humana;
- Tendo como objetivo o cunho científico, muitas literaturas eram descritas com caráter documental;
- Pensamento científico filosófico presente como darwinismo, liberalismo, socialismo e/ou positivismo, além do materialismo associada à ideia de avanço.
Assim como o Realismo, o Naturalismo caiu em declínio com a ascensão do Parnasianismo.
Realismo e Naturalismo: semelhanças
O realismo surgiu na França, em oposição ao romantismo, e influenciou muitos artistas de língua portuguesa. Os românticos estão interessados no mundo interior subjetivo, enquanto os realistas estão preocupados com a objetividade do mundo exterior.
Em contrapartida, o naturalismo é um derivado do realismo promovido pelo positivismo científico da época. O naturalismo visa dar ao realismo um valor objetivo maior, analisando o comportamento humano e social por meio de leis genéticas, influências ambientais e métodos experimentais.
Existem semelhanças e diferenças entre realismo e naturalismo. O primeiro retrata a interação entre as pessoas e o meio social, e o segundo retrata as pessoas como um produto desse meio ambiente. Todavia, além dessas, outras semelhanças são:
- Vão contra a corrente romântica, fugindo o idealismo e buscando o realismo;
- Descrições minuciosas sobre as personagens e a sociedade;
- Ambos usam a literatura como arma contra a burguesia, sendo instrumento de denúncia social;
- As personagens não são inteiramente incorruptíveis ou maléficas, tratando-se de pessoas ordinárias;
- Abordam temas como mestiçagem, pobreza, prostituição, ascensão social, necessidade de manter as aparências perante a sociedade;
- Mostra a divergência social de forma significativa, com relatos cruéis e verídicos;
- Apontam possíveis mudanças no comportamento do indivíduo e das instituições.
Realismo e Naturalismo: diferenças
O Naturalismo é considerada uma corrente mais radical que o Realismo. Os naturalistas brasileiros foram, em maioria, abolicionistas e republicados, com o intuito de mostrar, a grosso modo, a realidade da sociedade vigente.
O que distingue o naturalismo é a abordagem patológica de personagens e situações. O realismo tende a ser psicologicamente imerso em personagens, enquanto o naturalismo tem uma aparência anatômica, enfatizando a doença e os aspectos animais dos humanos.
Os personagens se aproximam de fora para dentro, enfatizando o comportamento externo e não se importando com o aprofundamento psicológico. O realismo retrata pessoas psicológicas, enquanto o naturalismo propõe pessoas biológicas.
Se o realismo pretende descrever a interação entre o homem e o meio ambiente, o naturalismo vai um passo além: expõe o indivíduo como um produto biológico, cujo comportamento depende dessas relações com o meio ambiente e de suas características genéticas. Além dessas citadas acima, há outras diferenças como:
![Imagem que mostra uma tabela com as semelhanças entre o Realismo e Naturalismo.](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2021/08/realismo-e-naturalism-semelhancas-748x1024.png)
Autores brasileiros
Tanto o Realismo como o Naturalismo apresentam traços em comum, logo, é comum encontrar autores naturalistas que também podem ser considerados realistas:
- Machado de Assis: Nascido no Rio de Janeiro, Machado é considerado o pai do realismo no Brasil, devido a sua obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, marcando a chegada da corrente literária no país. É visto como o único escritor brasileiro de fato realista, não sendo encontrado em suas obras traços que caracterizam como naturalista. Outras obras consagradas do autor são: “Dom Casmurro”, “Papéis Avulsos”, “Esaú e Jacó” e “Memorial de Aires”;
- Raul Pompeia: Autor de uma das mais importantes obras do realismo no Brasil, “O Ateneu”, Raul Pompeia nascem em 1863 em Angra dos Reis. Mudou-se para São Paulo, onde se envolveu com as causas abolicionistas e republicanas, tendo contato com o Positivismo e assim propagando-o. Raul também escreveu “A Queda do Governo”, “Canções sem Metro” e “Alma morta”, entretanto, sem tanto destaque quanto “O Ateneu”;
- Aluísio de Azevedo: Escritor de destaque do Naturalismo, o autor abolicionista maranhense nasceu na cidade de São Luís, é responsável por trazer a corrente naturalista ao Brasil com suas obras “O Cortiço” e “O Mulato”. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras;
- Artur de Azevedo: Irmão de Aluísio de Azevedo, também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, tendo como destaque “A Capital Federal”, “A Loja” e “O Mambembe”. Auxiliou Machado de Assis nas criações de algumas obras como “A Estação”;
- Adolfo Caminha: Nascido em 1867, no Rio de Janeiro, o ex-marinheiro e funcionário público escreve a obra “Bom Crioulo” que gera escândalo por tratar a questão da homossexualidade. Conhecido por retratar diversas perversões e crimes, também escreveu “Tentação” e “A Normalista”;
- Júlia Lopes de Almeida: Oriunda do Rio de Janeiro, está entre os mais importantes autores. Assumidamente abolicionista, sofreu grande preconceito, pois não era de bom-tom uma mulher ser escritora. Foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras. Autora de livros célebres como “A Falência” e “A Intrusa”.
Releituras
Mesmo não substituindo o livro, algumas obras literárias ganham destaque com sua versão cinematográficas, o que pode auxiliar aqueles que tem dificuldade em compreender o linguajar rebuscado da época.
A seguir, uma lista de adaptações de obras específicas do Realismo, sendo elas, em maioria, do autor Machado de Assis:
- Capitu (1968): adaptação sob a direção de Paulo César Seraceni, baseado na obra “Dom Casmurro” de Machado de Assis, onde até hoje há o debate se Capitu traiu ou não Bentinho. Segundo alguns críticos, a obra cinematográfica perde seu impacto e sua paixão em comparação a obra literária. A obra é considerada a última da denominada pelos especialistas de “trilogia realista” do autor;
- Quincas Borba (1987): dirigido por Roberto Santos, baseado em obra homônima, também de Machado de Assis. A discrepância da obra literária para a cinematográfica está em: enquanto o livro critica o pensamento filosófico da época, o filme foca mais na loucura da personagem principal;
- O Cortiço (1978): dirigido por Francisco Ramalho Jr., com roteiro baseado na obra com o mesmo nome de Aluísio Azevedo. O filme apresenta um foco na paixão de Jerônimo e Rita Baiana que há no livro, além de alguns personagens principais perderem o foco na adaptação;
- Memórias Póstumas de Brás Cubas (2001): direção de André Klotzel, baseado na obra de Machado de Assis com mesmo nome. O filme passa em um Rio de Janeiro do século XIX, na época do Império, recebendo boas críticas por permanecer fiel ao estilo do livro, com ironia e questionamentos sobre a sociedade;
- Azyllo Muito Louco (1971): sob direção de Nelson Pereira dos Santos, baseado no livro “O Alienista”, também de Machado de Assis. Enquanto o livro faz críticas a revolução francesa, o filme critica a ditadura militar;
- Missa do Galo (1982): com o mesmo diretor de “Azyllo Muito Louco”, agora mais fiel à obra de Machado de Assis, com a ironia e amargor presente em ambas as obras, além da paixão e a poesia retratada na história.
Realismo artístico
Do ponto de vista geral, a literatura e a pintura são os pontos altos no Realismo e no Naturalismo, sendo a principal a pintura francesa. No Brasil, o destaque maior ficou para literatura. Na arte realista o cotidiano é o foco, sem erotização ou predominância pelo corpo nu; mostrando a desigualdade social, a pobreza e o avanço industrial de forma proeminente. Na pintura, alguns artistas de destaque são:
Gustave Coubet (1819 – 1877)
Criador da estética realista na pintura social, demonstra interesse pela classe trabalhadora, além de fugir do subjetivo presente na corrente artística anterior, o Romantismo.
![Figura 4 - Autorretrato de Coubert, 1843. realismo artístico.](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2023/10/figura-4-autorretrato-de-coubert-1843-aproximadamente-65245c09d27f0.webp)
![Figura 5 - Moças peneirando trigo. 1853 aproximadamente - realismo artístico.](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2023/10/figura-5-mocas-peneirando-trigo-1853-aprox-65245d1fe473a.webp)
Jean-François Millet (1814 – 1875)
Organizou um movimento artístico chamado “Escola de Barbizon” com Camille Corot e Théodore Rousseau. Dedicou-se a retratar camponeses, com foco na representação humana e sua relação com a natureza;
![Figura 6 - Angelus (1858) - realismo artístico.](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2023/10/figura-6-angelus-1858-realismo-artistico-65245dcddeaa0.webp)
Almeida Júnior (1850 – 1899)
Teve aulas em Paris com Gustave Coubet e Jean-François Millet. Seu foco era regionalista, exatamente voltado ao interior paulista. O Dia do Artista Plástico é em homenagem a sua data de nascimento, 8 de maio.
![arte "o derrubador brasileiro" de Almeida Júnior (1850 - 1899)](https://www.materiasescolares.com.br/wp-content/uploads/2023/10/figura-7-o-derrubador-brasileiro-1875-realismo-artistico-65245e7e0f5cc.webp)
Então é isso, leia mais sobre nossos artigos sobre literatura.
Veja também:
REFERÊNCIAS
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O Cortiço | Cine Nacional | TV Brasil | Cultura. Disponível em: <https://tvbrasil.ebc.com.br/ciclos-de-cinema/episodio/o-cortico>. Acesso em: 9 out. 2023.
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994.
CÂNDIDO, Antônio; CASTELLO, Josér Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001
HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA — O Realismo e O Naturalismo. Vol. 5. Direção Carlos Reis. Publicações alfa. Lisboa: 2001.
MARTIN, G. A literatura, a música e a arte da América Latina. In: BETHELL, L. (Org.). História da América Latina: de 1870 a 1930. São Paulo: EDUSP, 2009. v. 4, p. 489-580.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira — seus fundamentos econômicos. 5 eds. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
WELLEK, René. O conceito de realismo na cultura literária. Disponível em: Conceitos de crítica. Tradução de Oscar Mendes. São Paulo: Cultrix, 1963.