Antes de falarmos sobre o primeiro período regencial é importante voltarmos no tempo. Antecedendo esse período, o Brasil passou pelo primeiro reinado, onde foi governado por Dom Pedro I, sendo assim o primeiro governante a guiar o país após sua independência.
Entretanto, diante da insatisfação popular, que se manifestou a partir de vários tumultos na cidade do Rio de Janeiro, e do golpe no governo de Portugal, Dom Pedro I abdica do trono brasileiro.
Nesse contexto, assume o governo brasileiro Dom Pedro II, que só tinha apenas 5 anos. Desse modo, enquanto Pedro II não atingia a maior idade, o Brasil passou pelo período regencial, onde foi governado por vários regentes.
Embora tenha ocorrido a troca de governo, a população continuou insatisfeita, e por isso, durante o período regencial houveram inúmeras revoltas — que nomearam esse período de transição como a época mais conturbada do país.
Regência Trina Provisória (abril a julho de 1831)
Antes de tudo, é necessário entender que a população brasileira estava dividida em três status relacionados a política: restauradores, liberais moderados e liberais exaltados, que entenderemos mais à frente.
Nesse contexto, o período regencial inicia-se com a regência trina provisória, que como o próprio nome sugere, foi constituída por três governadores: Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos.
Nessa época, que durou de abril a julho de 1831, o Brasil experienciava o início de transição entre governos, o que não agradou às camadas sociais, e que refletiam essa insatisfação através de revolta.
Portanto, essa trina que assumiu o poder era majoritariamente de caráter restaurador, e foi colocada no trono justamente para frear as agitações políticas da época. Dentre os feitos dessa regência temos:
- Anistia dos presos políticos;
- Ampliação dos poderes da Câmara dos Deputados, que passa agora a interferir nas ações do governo regencial;
- Deu condições para que um novo governo fosse escolhido, a Regência Trina Permanente.
Regência Trina Permanente (1831 – 1835)
Os regentes desse período eram Francisco Lima e Silva, João Bráulio Muniz e José da Costa Carvalho, que decidiram dividir as funções do governo para melhor atender as demandas.
Sendo assim, a função que mais se destacou foi a de Feijó, que ficou responsável por abafar as revoltas, e para tanto decidiu incumbir que representantes locais fizessem esse controle, o que ocasionou em um espaço propício para que as elites tivessem seus interesses assegurados.
Mesmo sob essa organização, as revoltas continuaram, principalmente militares, o que ocasionou em uma reforma no quadro militar, admitindo apenas aqueles fiéis ao governo.
Além disso, Feijó tentou um golpe para tomada do poder, entretanto não conseguiu sustentar a empreitada. Por fim, em 1834, houve um Ato Adicional onde algumas reformas ocorreram para atender as exigências dos liberais.
Organização partidária
Assim como na atualidade, a população do período regencial também se consolidava a partir de partidos. Desse modo, analisaremos a seguir as principais características dos 3 partidos do período.
Restauradores
Considerados conservadores, e também conhecidos como “caramurus”, o partido dos restauradores era composto de comerciantes portugueses, burocratas e militares, que acreditavam que o país só funcionaria com o retorno do imperador Pedro I. Dessa forma, acreditavam em um governo mais centralizado através de um regime monárquico.
Liberais moderados
Conhecidos como “chimangos”, esse partido não acreditava em um regime absolutista, e por isso era composto de aristocratas da porção centro sul do país. Dessa forma, para os liberais moderados, o regime monárquico, sob manutenção, seria capaz de pôr ordem na casa, e de defender os interesses da elite agroexportadora do país.
Liberais exaltados
Conhecidos como farroupilhas ou jurujubas, esse partido era composto de pequenos comerciantes e homens livres em posses, e acreditavam que a autonomia das províncias deveria ser aumentada.
Guarda Nacional
Como já mencionamos, o período regencial foi palco de grandes revoltas, por isso, os regentes investiram bastante em uma guarda nacional para abafar os levantes. Sendo assim, a guarda nacional surge com o principal propósito de defender a constituição, a integridade, a liberdade e a independência do império.
Sendo assim, para compor o quadro da guarda, todo brasileiro entre 21 e 60 anos, que pudesse exceder direitos políticos, poderia fazer parte da guarda, excluindo, assim, a camada popular.
Código de Processo Criminal
Seguindo a onda de políticas liberais, o código de processo criminal buscou estabelecer um juiz de paz para cada município. Ou seja, esse juiz teria funções relacionadas a faceta policial, jurídica e administrativa, e, portanto, era eleito por voto popular.
O principal objetivo desse código era fortalecer e garantir os interesses da elite local. Entretanto, a medida acabou por desencadear disputas de poder entre os grandes latifundiários.
Regência Una de Padre Feijó (1835 – 1837)
Mesmo com um baixo número de eleitores, reflexo da exclusão social de boa parte de população, Feijó é eleito como novo regente. Nesse período, os interesses políticos já tinham se modificado a ponto de a influência latifundiária operar no Brasil, o que intensificou a participação da elite nas decisões políticas.
Portanto, nessa fase do período regencial, a população se agrupava em progressistas e regressistas. Nesse sentido, Feijó, como bom restaurador que é, ficava sem possibilidade de representação, o que culminou em diversas revoltas, como a Cabanagem e Farroupilha.
Debilitado por uma doença, e frente a essas dificuldades, Feijó renúncia ao cargo, e nomeia Araújo como próximo regente.
Regência Una de Araújo Lima (1837 – 1840)
Um dos principais marcos do período de regencial de Araújo foi a homologação da Lei Interpretativa do Ato Adicional, que revisava alguns pontos do Ato Adicional de 1834.
Esse feito se deveu a grande adesão de revoltas durante sua regência. Sendo assim, Araújo interpretou esses acontecimentos como sendo fruto do ato. A partir dessa revisão, as províncias perderam poder através da centralização do governo por meio de funcionários públicos e de polícia e justiça.
Golpe da maioridade
Insatisfeitos com as reformas promovidas pelo último regente, os liberais se reuniram no chamado Clube da Maioridade, onde eram discutidas formas de antecipar a coroação de Dom Pedro II.
Essa pressa advinha na crença de que o novo governo acabaria com os problemas políticos e as revoltas. Dessa forma, iniciou-se uma campanha em prol de antecipar o Segundo Reinado.
Portanto, em 1840, o período regencial acaba graças a pressão dos liberais para o início do Segundo Reinado, que não ocorreu às mil maravilhas, como os liberais pensavam.
O período regencial se constitui como o governo entre o primeiro e segundo reinado, onde o Brasil foi governado por diversos regentes, que tinham como finalidade centralizar o poder, enquanto Pedro II atingia a maior idade.
Entretanto, quando a elite e as demais camadas da população se viram desfavorecidas, inúmeras revoltas eclodiram. O fim do período culminou com a antecipação da maioridade de Dom Pedro II, e, consequentemente, com o início do Segundo Reinado.
As principais manifestações do Período Regencial
Como mencionamos acima acerca do Período Regencial, que ocorreu durante o primeiro e o segundo Império, o Brasil foi governado por regentes enquanto Dom Pedro II não tinha idade suficiente para comandar um país.
Entretanto, essa reviravolta não trouxe satisfação a população, que se manifestou em prol de mudanças que abraçassem as suas causas. Como a população era estratificada politicamente entre três níveis, restauradores, liberais moderados e liberais exaltados, o país passou por várias manifestações que clamavam por objetivos diversos.
Dentro desse contexto, hoje falaremos das cinco rebeliões regenciais que marcaram o período.
Rebeliões Regenciais
Revolta de Malês (Bahia, 1835)
A sociedade do período regencial era também estratificada fora do contexto político. Desse modo, muitos cidadãos tinham seus direitos reduzidos, como, por exemplo, no momento do voto.
Nesse sentindo os negros islâmicos faziam parte dessa parcela da sociedade que era marginalizada, principalmente pela sua cor de pele e religião. Sendo assim, mesmo que esses fossem livres a sua escalada social era impedida.
Inclusive é válido salientar que o nome da revolta, Malês, faz jus justamente ao grupo que encabeçou o movimento. Malê é originário da palavra “imalê”, que possui origem iorubá, e tem como significado muçulmano. Mas é válido ressaltar que o movimento teve adesão de outras parcelas da população que lutavam contra a marginalização que sofriam.
Sendo assim, diante das péssimas condições de vida enfrentada pelos escravizados, somado a insatisfação política e econômica do Brasil, que a Revolta de Malês ocorre. O dia escolhido para a revolta foi o do Ramadã, 25 de janeiro, período que ocorre as preces e jejuns dos muçulmanos. A revolta teve vários líderes e ocorreu em Salvador no estado da Bahia.
Os principais objetivos da revolta eram:
- Confisco dos bens dos brancos e mulatos;
- Conquista dos mesmos direitos que tinha os cidadãos brancos;
- Criação de uma república islâmica;
- Direito de liberdade ao culto baseado a religião islâmica;
- Fim da discriminação racial;
- Fim da imposição religiosa do catolicismo;
- Extinção do regime escravocrata.
Cabanagem (Pará, 1835 – 1840)
A segunda maior revolta ocorrida no período regencial foi a Cabanagem. O movimento teve como motivação a extrema pobreza e abandono político pós independência do Brasil enfrentada na antiga província do Grão-Pará, onde hoje estão localizados os estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia.
Além dessas motivações, a Cabanagem também foi fomentada pelas:
- Péssimas condições de vida da população que era principalmente formada por índios, nefros forros, escravos e mestiços;
- Elite desejava participar da política e administração da província;
- Desejo de independência em relação ao governo central.
Nesse contexto, em 1833 foi nomeado ao cargo de governador da região Bernardo Lobo Souza, membro restaurador do governo, portanto, seu governo era repleto de repressão e autoritarismo.
Frente a isso, os cabanos atacaram o quartel e o palácio de Belém, matando, assim, Bernardo. Após o ocorrido vários outros governadores foram postos no cargo, porém todos foram mortos.
Até que em 1835 os cabanos atacam novamente o palácio e retomam o poder local, colocando no governo Eduardo Angelim. Porém, como o projeto de governo não estava concreto, o Império contra-atacou e retomou o poder.
O conflito em si só cessou em 1940, quando todos os cidadãos que participaram do movimento foram exterminados.
Sabinada (Bahia, 1837 – 1838)
A sabinada foi a segunda revolta do período regencial que ocorreu na Bahia. O nome do movimento advém de seu principal líder, Francisco Sabino, que liderou e representou a camada popular insatisfeita com a grave crise social enfrentada pelo Brasil devido o governo vigente.
O movimento em si pode ser considerado de cunho liberalista exaltado já que buscava implantar uma república na Bahia. Essa ideia de república em plena independência do país é reflexo da movimentação política das antigas colônias espanholas e estadunidenses, que após a independência adotaram a república como modelo governamental.
Portanto, a sabinada objetivava implantar essa república de modo a manter a unidade territorial, e impedindo assim a antiga colônia portuguesa de subdividir o Brasil em colônias menores.
Desse modo, os sabinos ocuparam a cidade, e tentaram implementar a república. Por meio disso, depuseram o governante da província, e logo em seguida, instalaram o governo em 1837.
Entretanto, tropas enviadas por Feijó detonaram a localidade. Após o ocorrido, os líderes da região foram presos.
Balaiada (Maranhão, 1838 – 1841)
Assim como as demais revoltas do período regencial, a balaiada também objetivava melhorias nas condições de vida da população marginalizada. Por isso, contou com a participação de vaqueiros, escravos e demais desfavorecidos.
No contexto da época, os partidos eram divididos em dois: bem-te-vis e cabanos, onde o primeiro grupo era composto por liberais, enquanto o segundo era liderado por conservacionistas. Embora houvesse dois lados, ambos lutavam mesmo para ganhar o poder, e não para melhorar as condições de vida da população.
Nesse sentindo, alguns líderes do movimento começam ataques desarticulados a cadeias e fazendas. Após o conhecimento de demais movimentos, os líderes decidem se juntar. Após uma série de conquistas, o movimento enfraqueceu devido à morte de um dos líderes, e também devido o novo comando militar, que sob ordens de Luís Alves de Lima e Silva ataca os participantes do movimento.
Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul, 1835 – 1845)
Também conhecida por Guerra dos Farrapos e Revolta dos Farrapos, a Revolução Farroupilha foi um movimento que durou 10 anos, e realmente mexeu com as estruturas da integridade territorial brasileira.
Foi organizada pela elite gaúcha em 1835, e teve como líder Bento Gonçalves, e tomou conta de todo o Rio Grande do Sul. A motivação da revolta deve-se a insatisfação dos estancieiros gaúchos com a política fiscal vigente.
O principal produto da região era o charque, que era confeccionado a partir da carne bovina. Os charqueadores, assim como eram conhecidos os produtores de charque, compravam essa carne dos estancieiros, que eram os criadores de gado da região.
Bom, os estancieiros começaram cobrar impostos pela produção de charque da região, enquanto que o charque produzido em países vizinhos era vendido aqui no Brasil sem nenhuma taxa. Frente a isso, houve uma revolta da população que culminou em um caráter separatista.
Além disso, outros motivos também colaboraram para a revolta, como:
- Insatisfação com a criação da Guarda Nacional;
- Insatisfação com a negativa do governo em assumir os prejuízos causados por uma praga de carrapatos que atacou o gado na região em 1834;
- Insatisfação com a centralização do governo e a falta de autonomia da província;
- Circulação dos ideais federalistas e republicanos na região.
O período regencial é considerado uma época muito conturbada e cheia de desigualdades sociais. Frente a isso, inúmeras revoltas ocorreram na tentativa de tornar o país um lugar melhor para as futuras gerações.
Texto: Letícia, Humanidades.